O Estudo de Grades Orquestrais
O estudo de grades orquestrais é fundamento indispensável para todo estudante de composição. Por meio de uma análise minuciosa, é possível compreender, com clareza, os recursos e técnicas utilizados por cada compositor para atingir determinados efeitos. Esses recursos envolvem tanto aspectos relacionados à acústica quanto à teoria musical.
A seguir, compartilho 7 dicas fundamentais para a análise de partituras orquestrais de forma eficiente, de forma a extrair o máximo de informações e recursos que poderão ser utilizados em suas próprias criações no futuro.
1. Escute a música diversas vezes, com muita atenção
O primeiro passo é ouvir a obra repetidamente, com total concentração. Quanto mais complexa for a música, mais audições serão necessárias para que você consiga captar todos os detalhes.
O objetivo inicial é a familiarização com a obra: entender sua estrutura, assimilar a instrumentação, perceber as melodias, harmonias, contramelodias, linhas de baixo e os elementos rítmicos.
Após essa escuta ativa, recomendo iniciar a análise da partitura, naipe por naipe.
2. Analise a grade naipe por naipe
Com a obra já bem assimilada auditivamente, é hora de abrir a partitura e analisá-la de forma segmentada. Comece pelos naipes de madeiras (flautas e piccolo, depois oboés e corne inglês, clarinetes, fagotes) e siga até os metais, percussão e harpas, e finalmente as cordas.
Atente-se aos seguintes pontos:
- Como se dá a abertura das vozes dentro do naipe;
- Se as vozes se movem de forma paralela ou independente;
- Observe quando o compositor utiliza apenas um instrumento do naipe, deixando os outros em silêncio. Qual o efeito desejado nesse contexto?
- Analise as técnicas específicas aplicadas para alterar a sonoridade dos instrumentos. Exemplos: pizzicato, spiccato, flautando, sul tasto, trêmolo, glissando, con sordino, entre outras.
3. Análise Melódica
Estude cuidadosamente a construção da melodia. Observe:
- O perfil melódico: movimentos ascendentes, descendentes e sua relação intervalar;
- A conexão da melodia com a harmonia subjacente, identificando como ela contribui para gerar tensão ou repouso;
- Diferencie as notas de passagem das notas alvo (ou de repouso). Verifique se essas notas-alvo fazem parte do acorde ou são notas de tensão deliberadas;
- Analise a instrumentação da melodia, ou seja, como ela é distribuída entre os instrumentos.
Por exemplo, ao analisar "Harry’s Wondrous World", de John Williams, vemos que o tema principal aparece logo na introdução dobrado de forma muito eficiente através dos seguintes instrumentos:
- Flauta, piccolo e oboé — adicionando brilho e realce às frequências agudas;
- Fagotes e trompas — oferecendo corpo e sustentação.
- Cordas — a espinha dorsal da orquestra, que traz homogeneidade e calor ao som;
- Glockenspiel e celesta — ajudam a conferir um toque de magia, quase etéreo, à textura sonora.
Observe atentamente a primeira frase da música no vídeo abaixo:
Costumo chamar esses tipos de técnicas de “dobras eficientes”, elas são fundamentais e valiosas como recursos de orquestração.
4. Análise de Contrapontos e Contramelodias
A contramelodia é uma das grandes riquezas da orquestração. Ao realizar sua análise, procure observar:
- Como ela se comporta em relação à melodia principal. Perceberá que, normalmente, ela se movimenta quando a melodia está em repouso, e vice-versa;
- A distância intervalar entre melodia e contramelodia, que costuma ser de no mínimo um tom e meio, evitando cruzamentos (embora isso não seja uma regra rígida);
- O contraste tímbrico entre os instrumentos escolhidos, o que amplia o efeito orquestral da contramelodia.
5. Análise Harmônica
Aqui, o foco é entender como o compositor distribui os acordes na orquestra.
- As vozes estão em posição aberta, fechada, invertidas?
- Quais instrumentos estão responsáveis pela sustentação harmônica em cada trecho?
- Analise a qualidade dos acordes, as dissonâncias, as tensões e suas funções (tônica, dominante, sub V, entre outras).
- Perceba também quando a obra foge da harmonia funcional tradicional, o que gera sonoridades mais modernas, modais ou impressionistas.
6. Análise do Baixo e da Percussão
O Baixo
Observe como o compositor conduz as linhas de baixo. Essa linha deve ter musicalidade e fluidez, podendo até mesmo funcionar como uma contramelodia, e não apenas como uma nota estática.
Instrumentos comumente utilizados na condução do baixo incluem:
- Contrabaixos
- Cellos
- Fagotes e contrafagotes
- Clarone
- Tuba
- Trombone Baixo
Dobras frequentes: contrabaixo + tuba + cello, o que proporciona profundidade e força ao registro grave.
A Percussão
A percussão, muitas vezes subestimada, desempenha funções muito além de apenas sustentar o ritmo:
- Atua como um ótimo preenchedor de espaços, oferecendo texturas e cores sonoras;
- É essencial na construção de climaxes e pontos de tensão;
- Funciona como um verdadeiro motor da orquestra, gerando energia, movimento e impacto.
O universo da percussão é praticamente infinito e por isso merece um estudo dedicado, pois ela pode transformar completamente uma música, ao adicionar brilho, peso e vibração.
7. Escuta Final e Consolidação
Após realizar todas as análises anteriores, faça uma última escuta da obra, agora com um olhar mais apurado. Perceba como todos os elementos (instrumentação, melodias, harmonia, contramelodias, baixo e ritmo) interagem de forma coesa para gerar o resultado final.
Sugiro também fazer anotações e marcações diretamente na partitura, destacando os trechos que mais chamarem sua atenção, tanto pelo aspecto técnico quanto pelo impacto sonoro.
Considerações Finais
O estudo da composição e da orquestração se resume, essencialmente, a três pilares:
- Escuta ativa
- Análise orquestral
- Experimentação prática
Quanto mais você se dedicar a isso, mais seu repertório de ideias, soluções e técnicas se expandirá. Com o tempo, posso assegurar-lhe que isso o levará naturalmente ao desenvolvimento de um estilo composicional próprio, que será o resultado de sua sensibilidade artística, somada a todas as ideias e informações adquiridas através deste processo.
Bons estudos,
Lucas Brito